terça-feira, 7 de maio de 2024

Conversa com o poeta Virgílio Queiroz

 



Conversa com o poeta Virgílio Queiroz

 

Elmar Carvalho

 

Conheço o poeta amarantino Virgílio Queiroz desde meados dos anos 1980. Nessa época, num hotel da Avenida Des. Amaral, situado numa das esquinas ao pé do Morro da Saudade, ele nos contou anedotas jocosas de sua terra natal, em que as figuras populares e folclóricas eram protagonistas. Era bem-humorado, bom de copo e de papo, como ainda o é. Agora, ele me mandou a seguinte mensagem escrita, por WhatsApp:

“Já vivi e já morri por dezenas de vezes e perdoem-me minha (in)credulidade. Não me interesso mais por questões profundas sobre a vida e regimes políticos e sociais. Estou no fim e já baixei a guarda. Não adianta lutar, a batalha é inglória. Os meus livros ficarão inéditos e minhas ideias sepultadas. A vida vai continuar apesar dessa minha metamorfose ambulante. E tudo passa e nós não morremos cedo ou tarde. Apenas morremos. Como fênix morri e renasci. Agora, jogo-me ao fogo dos deuses do esquecimento. Não haverá obra, não haverá sobra, apenas essa tolice de dizer que apesar do ódio, existe o amor. Grande besteira que não chega nem à beira do que posso pensar.”

Respondi-lhe haver notado certa sombra de pessimismo em suas palavras, mas que talvez fosse apenas reflexo da realidade pura e simples, que nos assola. Lhe disse já estar também um tanto desencantado, mesmo com a literatura, que já não me dá o mesmo prazer que me deu outrora, sobretudo nesta época em que já não temos bons leitores, em que todo mundo virou escritor. Aduzi que não tenho prazer com o ato de escrever, mas apenas com o texto final, quando algum leitor gosta, ou quando a minha implacável autocrítica me indica que fiz um bom texto.  

Virgílio respondeu:

“Realmente. Lembro-me que esse ‘pessimismo é moda em 73’. Naquele tempo existiam poucos cantores e bons letristas. Poucos e bons. Hoje, muitos e poucos [bons]. Grandes articulistas/jornalistas, embora pouco. Muito pouco. Hoje, milhões se dizem jornalistas e, com eles, a falta de ética, de conhecimento, de responsabilidade. De certa forma, acabou o pedantismo dos semideuses do saber. É, estou entrando no fogo dos deuses do esquecimento."

Repeti que já não há leitores, mas apenas escritores; que todo mundo se acha no direito de deitar falação sobre tudo e sobre todas as coisas. Citei Umberto Eco: “As mídias sociais deram o direito à fala a legiões de imbecis que, anteriormente, falavam só no bar, depois de uma taça de vinho, sem causar dano à coletividade”. Falei que a Bíblia nos adverte para não chamarmos nossos irmãos de tolos, mas o fato é que pessoas sem o devido preparo estão emitindo opiniões sobre assuntos complexos, que não dominam ou não conhecem bem. Sem falar nas chamadas fake news.

Resolvi “me citar-me a mim mesmo”: “Desmanchei / com minhas mãos / que os criara / os deuses em que cria”. Expliquei que nos tempos bíblicos havia os ídolos de metais, de barro, de madeira, mas que agora os ídolos eram cantores, políticos, moedas, carros, roupas e outros abjetos objetos. Para ilustrar o que dizia, resolvi escrever o poeminha abaixo, que imediatamente lhe enviei:

Meus ídolos

Eram de barro

E se quebraram;

Eram de madeira

E sem eira nem beira

Se queimaram.

Meus ídolos

Eram somente

Ídolos e não deuses.

Virgílio Queiroz, flamenguista como eu, não poderia perder a deixa; matou no peito, chutou com força, de forma rápida e certeira, e marcou um gol de placa, encerrando com chave de ouro, cravejada de diamante e outras pedras preciosas, o nosso diálogo:

“'OS ÍDOLOS SÃO DE BARRO’. Aos vinte anos eu lia Nietzsche e era repreendido pela minha irmã Fátima (de saudosa memória). Ela, muito religiosa, não entendia esse meu gosto literário. Para ela o ateísmo de Nietzsche se fazia presente em todo o seu pensamento e obra, numa constante e inexplicável batalha contra os ensinamentos cristãos (o ANTICRISTO). E eu, como forma de criar animosidade, dizia: os ídolos são de barro."

segunda-feira, 6 de maio de 2024

OS VAREIROS E A PARNAÍBA DE OUTRORA (*)

 

No pré-cisco, antes da solenidade: Elmar Carvalho, Carvalho Filho, Ana Ferreira e Antonio Gallas Pimentel 


Solenidade conjunta da APL e da APAL  Foto: Jairo Moura


OS VAREIROS E A PARNAÍBA DE OUTRORA (*)

 

Elmar Carvalho

 

Estes escritos de Raimundo Souza Lima estiveram perdidos durante alguns anos, após sua morte. Depois, foram encontrados e publicados em 1988, graças à “influência de poetas e escritores vinculados ao Grupo INOVAÇÃO, junto ao professor universitário” Israel Correia, na época secretário de Cultura, Desportos e Turismo do Estado do Piauí. Tenho orgulho de haver pertencido ao jornal Inovação, fundado por Reginaldo Costa e Franzé Ribeiro, e vibrei com a publicação deste livro, cujo autor cheguei a conhecer em 1976, numa roda de cerveja, no Clube do SESC Beira Rio, em Parnaíba.

Mesmo assim a obra contém apenas menos da metade do que foi escrito por Souza Lima, segundo informação de Raul Furtado Bacelar em discurso na Academia Parnaibana de Letras, conforme está contido na apresentação do poeta e escritor Alcenor Candeira Filho. A outra parte do livro talvez se encontre extraviada para sempre, ou se encontre oculta em alguma esconsa gaveta, à espera de algum garimpeiro de velhos papéis literários. Raul Bacelar era o ocupante da cadeira 21, da qual é patrono Souza Lima. Indo minha família morar em Parnaíba em 1975, conheci o farmacêutico Raul Bacelar, com a sua indefectível e personalíssima gravata borboleta, em sua antiga farmácia de manipulação, hoje transformada em museu, e o entrevistei, certa vez, para uma das edições do jornal Inovação.

Esta edição, que agora estamos entregando à luz da publicidade, é belíssima e bem-organizada, com elucidativas e bem escritas páginas preambulares. Seu projeto gráfico foi elaborado com esmero, em papel de ótima qualidade. Ao longo de suas páginas nos deparamos com pertinentes e históricas fotografias, além de enriquecedoras ilustrações, de Iri Santiago. Portanto, além de seu valioso conteúdo, o livro é uma verdadeira obra de arte; vale dizer, é um objeto artístico em si mesmo. Esta segunda edição foi patrocinada pelo Instituto Amostragem, cujo proprietário é o professor universitário e estatístico João Batista Mendes Teles, que foi colaborador assíduo do jornal Inovação, para o qual elaborou importantes pesquisas, em rigorosa metodologia científica, para detectação e análise de mazelas sociais da cidade de Parnaíba.      

Raimundo Souza Lima foi casado com Raimunda Amélia de Moraes Lima, com quem teve os filhos Maria de Lourdes, Anchieta, Francisco das Chagas, Paulo Roberto, Rita de Cássia e Raimundo, mais conhecido como Juca Lima. Dentre eles, conheci o Francisco ou Chico Lima, que na época era um tanto boêmio e brincalhão, com as suas piadas de circunstância; soube que depois veio a se tornar pastor de uma igreja evangélica, e se afastou das lides etílicas. O Juca Lima se tornou um excelente artesão, um verdadeiro mestre de esculturas de madeira, em que alia a sua admirável criatividade com a sua esmerada técnica, de lavor sutil e primoroso.

Nasceu o autor na cidade de Parnaíba, em 1911, onde faleceu em 1976, portanto, aos 65 anos de idade. Consequentemente, foi contemporâneo do apogeu e decadência da exploração da maniçoba e de nosso extrativismo do tucum, do óleo de coco babaçu e da cera de carnaúba, em que nossa cidade alcançou o seu fastígio e fausto, com a construção de esplêndidos solares, palacetes e sobrados. Nessa época, a cidade sediava as maiores empresas do Piauí, entre as quais cito: Moraes S. A., Casa Inglesa, Casa Marc Jacob, Pedro Machado, Poncion Rodrigues, que depois entraram em declínio. Em Campo Maior e em Parnaíba, conheci todas em plena atividade.

Em seus relatos e episódios, extraídos de sua memória, como ele próprio o diz, o autor se reporta a essa época de muita movimentação comercial no Porto Salgado e no entorno do Porto das Barcas, com o trabalho e burburinho de embarcadiços, carregadores, comerciários, comerciantes e compradores. Nas imediações, ficavam os prostíbulos da Munguba e da Quarenta. Em meu romance Histórias de Évora (cidade fictícia, misto de Parnaíba e Campo Maior) tentei sintetizar essa azáfama:

“As calçadas desses armazéns eram lisas, impregnadas pelo pó que ia aos poucos se desprendendo dessas ceras, e eram alisadas pelo pisotear constante dos transeuntes, que vinham fazer suas compras ou exercer suas atividades laborais no centro comercial. Eram figuras emblemáticas os carregadores, de forte compleição, que carregavam grandes sacas desses produtos sobre a cabeça, protegida apenas por uma rodilha de pano, e os porcos d’água, que atuavam no porto improvisado do Paraguaçu, com os seus pequenos trapiches, toscos depósitos e acanhado guindaste.”

O guindaste, movido a vapor, um dia encrencou, numa manobra arriscada; caiu sobre seu proprietário e o matou. A maria fumaça, vinda da estação, seguia pelo meio da Rua Grande até esbarrar na beira do cais.

O autor presenciou esse grande tráfego de rebocadores, alvarengas, vapores, barcos do tipo gaiola, chalanas, canoas e balsas de talo de buriti, no Porto Salgado e no Porto das Barcas, ainda menino, quando ia lavar o cavalo de seu pai no Igaraçu, e aproveitava para fazer suas traquinagens, como nadar, dar tainhas e cangapés. Viu, certamente, as embarcações da Lloyd Brasileiro e da Booth Line, e os hidroaviões da Condor, que pousavam no Igaraçu. Nessa fase de sua existência foi vendedor de bolos de goma, produzidos por sua mãe.

Adulto, pôde presenciar com mais acuidade esse movimento comercial, quando exerceu suas funções de operário, ferroviário, comerciário, contabilista e despachante. Como autodidata, adquiriu certa erudição e aprendeu a falar a língua inglesa. Assim, conseguiu ser jornalista e tradutor de cartas comerciais. Certamente, sendo Parnaíba ainda uma cidade pequena, deve ter conhecido os professores, jornalistas, intelectuais, poetas e escritores desse tempo, entre os quais citaria Benedito dos Santos Lima, o Bembém, R. Petit, Alarico da Cunha e o célebre professor Amstein.

Reza a “lenda urbana” que Bembém lhe teria pedido um artigo sobre Jesus Cristo, ao que o nosso autor, em evidente blague, lhe teria perguntado: contra ou a favor? R. Petit, magnífico poeta, ao contrair lepra, com medo de uma espécie de “prisão para tratamento” no leprosário, por sugestão do alcaide da época, deixou Parnaíba para sempre, em 1944, esgueirando-se pelas sombras e silêncio de certa madrugada melancólica. Alarico, que tirava o chapéu para os espíritos que só ele via, e Amstein, mítico e mistificador, se tornaram mitos em meus PoeMitos da Parnaíba.

O autor não alcançou sua cidade se tornar uma nova fênix, quando Parnaíba se reinventou, através da prestação de serviços, sobretudo no setor da Educação e da Saúde, do empreendedorismo turístico e da instalação de novas e opulentas empresas comerciais, no setor de varejo e atacado, com inúmeras pessoas de municípios da região norte do Piauí, do Ceará e do Maranhão vindo se abastecer ou buscar prestação de serviços em nosso município.   

Raimundo Souza Lima tinha o que contar e sabia contar, em boa linguagem, em estilo fluente, escorreito, conciso, claro e objetivo. Soube contar seus “causos”, soube relatar seus episódios, alguns jocosos ou anedóticos, soube narrar as peripécias de sua vida e do que viu, soube traçar o retrato e o panorama de uma época, de suas figuras miúdas, simples, populares e folclóricas, com engenhosa arte.

No belo poema que serve de epígrafe ao livro e que tem o seu título, o poeta Alcenor Candeira Filho pergunta: “homens e mulheres da beira rio beira vida / sousalimamente falando / cadê os Vareiros do Rio Parnaíba?”

Respondo: ficaram encantados e redivivos nas páginas imortais do livro de Souza Lima.

(*) Palestra proferida no dia 04/05/2024, na Academia Piauiense de Letras, na solenidade em que foram lançadas as obras Almanaque da Parnaíba, edição comemorativa do Centenário do periódico e dos 40 anos de fundação da Academia Parnaibana de Letras, O que fazer com o militar – anotações para uma nova defesa nacional, de Manuel Domingos Neto, e Vareiros do Rio Parnaíba & outras histórias, de Raimundo Souza Lima. Foram seus apresentadores: José Luiz de Carvalho, presidente da APAL, Elmar Carvalho e Felipe Mendes. Também falaram Manuel Domingos Neto e João Batista Mendes Teles, proprietário do Instituto Amostragem, editor de Vareiros (...).

domingo, 5 de maio de 2024

3 POSTAIS DE TERESINA

 

Fonte: Google

3 POSTAIS DE TERESINA

 

Elmar Carvalho          


POSTAL I

 

Na Paissandu e adjacências bêbados passeiam

equilibrados sobre a corda-bamba dos pés.

Velhas meretrizes sem freguesia

conversam e cospem na calçada.

Nas noites serenas de serenatas

as luzes mortiças dos postes

espiam de pálpebras cansadas

os amores camuflados clandestinos (in)decentes.

Os amores puros, sem rotas e rótulos.

A lua, velha safada, espreita a intimidade

das alcovas dos casais.

 

           POSTAL II

 

No Morro do Querosene

– sem quero, sem querosene e sem gás –

a miséria mora em cada casa

sem água e sem luz.

Um bolero ou tango

                          tange o tédio.

De repente, um tiro na noite.

Assassinato ou suicídio?

Último ato: cai o pano do silêncio

sobre o silêncio do morto.

 

           POSTAL III

 

O Morro do Urubu

se muito foi terá sido

morro do urubu chumbado, morro do

urubu chagado, sifilítico e faminto.

O Morro do Urubu

hoje é Morro da Esperança.

Esperança de quem?

Daqueles que nada esperam

em sua ab/so/luta miséria.

Morro da Esperança?

Morro dos bastardos da vida,

dos pobres, dos desvalidos.

Morro da morte matada,

morro da morte morrida,

morro da morte em vida:

morro da (des)Esperança.

sábado, 4 de maio de 2024

Em defesa do Almanaque da Parnaíba!

 


Em defesa do Almanaque da Parnaíba!

 

Claucio Ciarlini

 

A noite de 02 de maio de 2024 ficará marcada na história por conta do lançamento da 75° edição do Almanaque da Parnaíba, referente ao ano de 2023, celebrando os 100 anos do primeiro Almanaque, os 40 anos da Academia Parnaibana de Letras e os 30 anos em que a APAL está à frente do periódico.

 

Dentre os membros da APAL que se fizeram presentes na mesa de honra, estava Claucio Ciarlini (membro da cadeira de número 23) que proferiu um discurso marcante sobre a história do Almanaque da Parnaíba, com enfoque nos que foram produzidos pela APAL nos últimos 30 anos. Segue abaixo e na integra:

 

“Boa noite a todos…

 

Cumprimento a todos os confrades e autoridades presentes nesta mesa de honra, assim como o público presente!

 

Gostaria de iniciar minha breve e humilde fala, através de duas perguntas:

 

Parnaíba é a “terra do já teve”?

Ou se trata de uma cidade, como muitas neste país (e até no mundo), onde alguns aspectos e locais não mais existem, porém existem outros, igualmente importantes?

Acredito que os amigos, confrades e esta plateia, deveras informada e acolhedora, irá concordar, que a segunda questão é a correta. 

 

Parnaíba deixou de ter inúmeros espaços, tradições e grupos, porém, hoje possui novas opções, como por exemplo, os inúmeros cursos de ensino superior, fazendo com que os “filhos da cidade” não sejam obrigados a mudar para a capital ou até mesmo para outros estados na busca de prosseguir em suas formações. No que lhes deixo mais uma provocação:

 

Parnaíba, por ter mudado em vários aspectos, ainda deveria ser chamada de Parnaíba?

Deixo esta pergunta para que vocês possam ir refletindo, enquanto começo a falar do meu objetivo principal.

 

No ano de 2021, participei de uma palestra online, onde o tema era a História do Almanaque da Parnaíba, proferida por um professor de história, que me reservo aqui, por motivos éticos, a não mencionar o nome, além do fato de se tratar de um excelente educador e um grande ser humano. Porém, no decorrer de sua fala, que se iniciou com a origem do Almanaque, pelas mãos de Benedicto dos Santos Lima, passando pela organização de Ranulpho Torres Raposo e alcançando os anos 80, com Manoel Domingos Neto… Notei, para a minha surpresa, que o referido professor não mencionou os almanaques lançados nos idos de 1994 a 2020, editados pela Academia Parnaibana de Letras. Livros muito bem capitaneados por nomes como Lauro Correia (de 1994 a 1999); Iweltiman Mendes (edição de 2004); Pádua Santos (de 2006 a 2017); e José Luiz de Carvalho (de 2018 até aquele instante). Obras estas, que tiveram, dentre seus organizadores ou como parte do conselho editorial, nomes como os de: Alcenor Candeira Filho, Danilo Melo Souza, Israel Nunes Correia, Fernando Basto Ferraz, Pádua Santos, Maria Dilma Ponte de Brito, Maria do Amparo Coelho, Antonio Gallas Pimentel, Wilton Porto, Diego Mendes Sousa, além deste ser que vos profere estas palavras.

 

Daí, quando do encerramento da fala do professor e abertura para comentários e perguntas, aproveitei para falar, de forma muito rápida e resumida, deste período que ficou de fora. Até porque, achei que o professor não havia falado por conta do tempo avançado ou até mesmo esquecimento diante de tanta história, em detalhes e aprofundada, pois assim foi a sua fala, rica em detalhes, no que condiz ao período de 1923 a1985. E para a minha surpresa, até mesmo perplexidade, o professor respondeu que, propositalmente, havia deixado de fora os 11 almanaques lançados nas últimas décadas, por considerar que houve certa descaracterização, se comparado aos almanaques que os antecederam, ou seja, os que vieram antes dos cuidados da APAL.

 

Diante disso, e de fôlego recuperado, utilizei-me de uma fala do próprio professor durante a palestra, quando ele mencionou a expressão de “terra do já teve”, termo esse que ele criticou, afirmando que Parnaíba perdeu em alguns aspectos, mas ganhou em outros.

 

Fiz então a pergunta a ele, a mesma que fiz a todos há alguns minutos, se Parnaíba deveria mudar de nome… Ao mesmo tempo que logo respondi: Claro que não! E continuei, afirmando que o mesmo podemos dizer do Almanaque da Parnaíba, que é sim, continua a ser, embora com algumas mudanças e adaptações, o Almanaque da Parnaíba!

 

Tudo na vida evolui. O ser humano também. Tenho a convicção de que não sou mais a mesma pessoa que iniciou no mundo da escrita há 30 anos. Embora eu tenha mantido uma base de caráter e de valores, em diversos pontos eu mudei, evoluí. O meu nome, então deve ser, por isso, alterado? Eu devo ser desconsiderado ou desrespeitado?

 

Podem até não gostar da pessoa que me tornei… Assim como não aceitarem a Parnaíba atual, todas as mudanças que houve, pode-se até não aprovar ou não curtir o que o Almanaque se tornou… Mas não é por isso que se deixa de ser o que é! Não é por isso que deixo de ser o Claucio; não é por essa razão que teremos que mudar o nome de Parnaíba e nem tão pouco dizer que o Almanaque só será considerado até a década de 80.

 

Em conversa com o amigo e confrade Elmar Carvalho sobre esta questão e ocorrido, Elmar comentou:

 

“Como visto, a partir de 1994, edição nº 61, o Almanaque da Parnaíba, na qualidade de sua revista, passou a ser editado pela Academia Parnaibana de Letras. O número anterior data de 1985, quando o periódico completara 62 anos de sua existência. Com exceção das charadas, dos quadros estatísticos e das propagandas comerciais, praticamente sua nova linha editorial manteve, em sua essência, o projeto anterior, senão vejamos: continuou a publicar textos literários, tais como poemas, contos, crônicas, ensaios e artigos, além de textos de caráter historiográfico ou sobre cultura e arte.

Muitos desses trabalhos são de alta qualidade e diria imprescindíveis para quem queira analisar a produção literária parnaibana de 1994 a esta parte. Vários dos colaboradores dessa época, escreveram em números anteriores do Almanaque. Cabe ainda salientar que nos primeiros números editados pela APAL ainda foram publicados dados estatísticos. Contudo, sendo essa publicação voltada preferencialmente para a produção dos seus membros, esse viés, por não ter interesse literário, não foi mantido por muito tempo. Com relação às charadas, nos dias apressados e cibernéticos de hoje, já praticamente não há quem as faça, e, tampouco, quem as leia; não vai nisso nenhuma crítica, mas uma simples constatação.

Entre os colaboradores desse notável periódico piauiense, ao longo dessas três décadas, além dos acadêmicos, podemos citar: Paulo Nunes, Renato Castelo Branco, Benjamim Santos, José Camilo da Silveira Filho, Orfila Lima dos Santos, Vítor Athayde Couto, João Evangelista Mendes da Rocha, João Maria Madeira Basto, Marc Jacob, Jorge Carvalho, Norma Couto, Sólima Genuína dos Santos, Flamarion Mesquita, Cláudio de Albuquerque Bastos, James Kelso Clark Nunes, Antero Cardoso Filho, Magalhães da Costa etc.

A edição nº 67, de 2004, foi comemorativa dos 80 anos do Almanaque; trazia em sua capa as imagens das capas de números antigos e estampou em suas páginas as propagandas históricas e interessantes de velhas edições. Durante várias edições, graças ao esforço de Alcenor Candeira Filho, a nossa revista publicou uma coluna das “parnárias”, com textos de poetas falecidos e vivos.  E a capa desta edição de 2023 (nº 75), por sinal muito esmerada (com “efeitos visuais” modernos), utiliza em sua montagem a capa da edição inaugural do Almanaque da Parnaíba. Comemora o Centenário do Almanaque, em plena circulação, e os 40 anos da Academia Parnaibana de Letras, sua editora há 3 décadas.”

 

Enfim, Academia Parnaibana de Letras, que é um forte exemplo de coisas importantes que, hoje, Parnaíba tem, vem desempenhando um excelente trabalho, no que condiz à manutenção do Almanaque. Digo porque, desde o primeiro número que a APAL assumiu, ou seja, o 61º, de 1994, quando eu ainda era um estudante da sétima série do ensino fundamental, mas já apreciador da literatura, até chegar nas cinco últimas edições lançadas, onde acompanhei de perto a produção, sendo um dos organizadores das quatro mais recentes. Posso atestar o zelo para com que estas páginas são construídas. O esmero que todos os presidentes tiveram, a citar o mais recente, José Luiz de Carvalho, um batalhador da literatura e da cultura em Parnaíba; assim como os meus confrades e parceiros de organização nestes últimos: Antônio Gallas Pimentel, Diego Mendes Sousa, Maria Dilma Ponte de Brito e Wilton Porto. Assim como não poderia deixar de destacar a pessoa que é responsável por este periódico continuar vivo, o nosso Mecenas, o amigo e confrade Valdeci Cavalcante. Além de todos os acadêmicos e escritores convidados ou que participaram dos concursos literários realizados, com seus inspirados textos, ao longo desses 30 anos! Sim, três décadas! Muito provavelmente, se não fosse a APAL, o Almanaque até estaria completando 100 anos, mas apenas de aniversário de sua primeira edição, em se tratando de publicações frequentes, só teria pouco mais de 60 anos…

 

Então pergunto:

 

Como alguém pode ignorar todo esse rico trabalho desenvolvido ao longo de três décadas?

É o último questionamento que vos deixo, ao mesmo tempo que afirmo, que certamente o tempo, este grande sábio, cuidará de fazer justiça e eternizar essas memórias!

 

Muito Obrigado!”  

quinta-feira, 2 de maio de 2024

FLAGRANTES NO CÉU





FLAGRANTES NO CÉU


Elmar Carvalho

 

Estive literalmente no céu. Mais precisamente no restaurante do Zé Nilson, situado na região da Fazenda Céu. De fato, a paisagem é paradisíaca. Quando fui para a beira-rio, para melhor contemplar a beleza ímpar do Parnaíba, uma ave canora, ou anjo – nunca se sabe ao certo as verdades limítrofes deste mundo e do outro – desatou umas notas musicais de inefável beleza. Disse que poderia ser um ente do outro mundo uma vez que o canto não era de nenhum pássaro do meu conhecimento. Com certeza, não era sabiá, nem corrupião, nem chico preto, as criaturas aladas de mais belo canto que conheço.

 

Dois homens falavam placidamente de negócios e serviços, enquanto tomavam banho, com certeza delicioso, sob o testemunho de um menino. Estavam à sombra de uma árvore ribeirinha, que lentamente amadurecia seus tenros frutos. A conversa só foi interrompida por uma canoa que passou perto deles, deslizando suavemente contra a corrente. O rio se embarreirava largamente, na bela, porém triste degradação ambiental, que lenta, mas inexoravelmente poderá conduzi-lo à morte de há muito anunciada.

 

À sombra de copada árvore, uma vaca, que mais parecia uma gorda e maternal matrona, ruminava preguiçosamente. Parecia ruminar o próprio tempo, que parecia não passar, como as águas do rio, que rolavam lentamente para o Atlântico. Voltei para a churrascaria do Zé Nilson, onde comi muito vagarosamente uma gostosa galinha caipira, à sombra do teto e de uma imensa árvore, que parecia sair do galpão.

 

Na verdade, o telheiro nascera em seu derredor, servindo-lhe o tronco grosso e anoso de esteio e decoração. Não fiz nenhuma viagem mística, não precisei morrer, mas estive literalmente no céu.


30 de julho de 2010

domingo, 28 de abril de 2024

FLAGRANTES DE TERESINA

Fonte: Google

 

FLAGRANTES DE TERESINA


Elmar Carvalho

     

           I

 

À meia-noite

percorria a praça.

A noite era silente e fria

e nenhuma estrela luzia ...

O manto escuro tudo

envolvia e ninguém existia.

Apenas o olhar cego

do Conselheiro, ao longe,

indiferente, me via.

 

           II

 

Em criança

a carranca do Barão

em seu assombro me fascinava.

Seu bigode recurvo espetava o ar

a ceifar a brisa como às nuvens

e ao céu o alfanje lunar.

Um besouro inoportuno

bolinou o bigode do Barão

e o bigode de bronze

imperceptivelmente se moveu.

 

 

           III

 

Na praça Saraiva

uma flor fez-se borboleta

e desferiu um voo rasante

sobre a cabeça do Conselheiro

que permaneceu

impassivo e contemplativo

em sua dura

postura de escultura:

hierático e estático.

sábado, 27 de abril de 2024

PEQUENA HISTÓRIA DA FESTA DO DIVINO DE AMARANTE





PEQUENA HISTÓRIA DA FESTA DO DIVINO DE AMARANTE


Marcelino Barroso [1]


A Igreja Católica celebra o Dia de Pentecostes no 50º dia depois da Páscoa, uma das mais importantes festas móveis do calendário litúrgico, também chamada Festa do Divino. Tendo começado em Portugal, no Século XIV, essa devoção se espalhou pelas colônias portuguesas e pelo mundo ibérico, e, atualmente, pode considerar-se como uma festa universal das mais ricas em simbologia. Em várias partes do mundo, as comemorações são feitas com grande pompa e/ou com manifestações populares, antecedidas de peregrinações ou peditórios.

Variadas são as manifestações religiosas alusivas ao Dia de Pentecostes, de Norte a Sul do Brasil. No Piauí, algumas cidades, como Oeiras, Valença, Simplício Mendes e Amarante, mantiveram, por longos anos, a tradição das Cantorias, por longos dias, arrecadando esmolas. Um grupo de homens percorria os povoados, carregando a Pomba e a Bandeira do Divino, entoando versos ao som de tambor, rabeca e viola. Nos últimos anos, a Festa do Divino de Amarante tem influenciado as das cidades de Regeneração, Valença, Floriano, Palmeirais, Agricolândia e, quiçá, Oeiras, devido à beleza das celebrações nos bairros e na Igreja Matriz

Até mesmo no Hino de Amarante (letra de Mons. Isaac José Vilarinho e música do maestro Luís Santos), faz-se referência ao “Tambor do Divino”, mantendo viva a memória de grupos tradicionais como os Divinos de Seu Manoel Paulo e de Seu Agostinho Felipe, que encorajaram o surgimento de novos mestres divineiros, hoje reconhecidos nos exemplos dos Divinos de Seu Odilon, de Seu Airton, de Dona Maria Peruca, bem como daqueles grupos que já vieram à nossa cidade, como os Divinos de Seu Eduardo (São Francisco do Maranhão); de Dona Joana (Demerval Lobão-PI), e as Pastorinhas do Divino de Dona Francisca (Floriano). Além desses grupos tradicionais, é de justiça lembrar os grandes mestres cantadores, rabequeiros ou caixeiros, como Benedito França, Do Carmo, Gonçalo Basílio, Júlio Basílio, Manoel do Basílio e Zeca Tatuzinho, bem como as famosas “segundeiras” (segunda voz), destacando-se, ultimamente, Dona Maria e Dona Da Guia.

Em Amarante, a Festa se caracterizou também, desde o início do Século (há registros de 1907), como encargo de famílias de operários. A descendência de uma dessas famílias tem garantido a continuidade da promessa, mas, nos últimos anos, a Festa ganhou maior expressão e vem atraindo pessoas de várias localidades, especialmente pela beleza das procissões e do Tríduo Preparatório, bem assim pelo fervor expressado na Missa Solene de Pentecostes, tudo com acompanhamento de cantoria, de grupos orquestrais, de corais e de representações das diversas associações e movimentos religiosos da Paróquia. Esse conjunto mais expressivo das celebrações se consagrou com a designação de Divino da Vila Nova ou, mais afetivamente, como Divino de Dona Dedé, em homenagem à sua fundadora, Josefa Pereira de Araújo, conhecida carinhosamente como Mãe Dedé, que intensificou sua prática devocional a partir de 1954, ou seja, há exatos 70 anos.

O Tríduo Preparatório, que era realizado em ambiente doméstico e em círculo restrito às pessoas mais próximas, passou a desenvolver-se com procissões luminosas, em cujo trajeto é recitada a Coroa do Divino, com paradas estratégicas em algumas residências, até se completarem os Sete Mistérios. Escolhem-se três responsáveis, em cujas residências se dá o pernoite da Pomba e da Bandeira, cada família ficando responsável pelo cortejo do dia seguinte. Tal esquema foi afetado pela pandemia de Covid-19, mas deverá ser retomado em breve. A partir de 2012, o Pe. Tertuliano Alves mandou incluir, na programação, a Missa da Vigília de Pentecostes, encerrando a terceira noite do Tríduo. No quarto e último dia, o Terço de Encerramento da Festa reúne muitas famílias da Vila Nova e de outros bairros da cidade, após o que se distribuem bolo, café e chocolate quente.

Vários pesquisadores têm estudado a Festa do Divino de Amarante, sobretudo tornando-a objeto de trabalhos de conclusão de cursos de graduação e de pós-graduação em várias Instituições de ensino, públicas e privadas. Têm sido, também, publicados artigos, reportagens e documentários nos mais diversos meios de comunicação.

Desde o início dos anos 1940 até sua morte, em 1984, Josefa Pereira de Araújo (Mãe Dedé) se desdobrou para dar continuidade à Festa do Divino e emprestar-lhe feição de festa para os pobres. Pouco antes de falecer, pediu aos atuais festeiros que não deixassem o povo da Vila Nova esquecer essa devoção, que atesta a importância da preservação das tradições da cidade e da valorização das manifestações religiosas de seu povo.

A Festa do Divino de Amarante, diferentemente das de Oeiras ou Valença, tem permanecido com a mesma família, mas, nos últimos anos, outras pessoas e até grupos da comunidade passaram a colaborar da organização com maior interesse. Assim, entre esses voluntários, crianças, jovens e adultos passaram a postular maior participação como figurantes, nos cortejos e solenidades, além de assumirem outros encargos artísticos ou operacionais.

Finalmente, deve ser ressaltado o apoio que a Festa do Divino de Amarante tem recebido de todos os párocos, desde a introdução dos novos eventos, a partir de 2003, os quais são citados na ordem de seu exercício ministerial na cidade: Pe. Sebastião Gonçalves da Silveira, Pe. Raimundo Nonato dos Santos, Pe. Raimundo Nonato do Rêgo Neto, Pe. Tertuliano Alves de Melo e Pe. Francisco Ronaldo Santos Sousa.

Como tudo que o ser o humano faz é imperfeito, pode ter sido omitido algum dado, fato ou indicação relevante para uma pequena história do Divino de Dona Dedé, mas, felizmente, nada passa despercebido aos olhos de Deus. Por isso é que algum grupo, instituição ou pessoa que não tiver sido citado deve ficar ciente de que seu lugar está preservado no panteão da glória eterna e recebe, neste momento, o certificado de nossa eterna gratidão, sob o influxo dos dons e dos frutos do Divino Espírito Santo.

Assim seja!



[1] Marcelino Barroso divide com a Professora Mundinha Costa a coordenação da Festa do Divino da Vila Nova, desde 1984. Texto lido pelo Prof. Melquíades Barroso na cerimônia de Envio das Bandeiras às Comunidades Eclesiais da Paróquia, realizada no dia 14/04/2024, na Igreja Matriz de São Gonçalo do Amarante, em Amarante-PI.

quinta-feira, 25 de abril de 2024

O SONHO DE LAURO: A FERROVIA, O RIO E O PORTO

 


O SONHO DE LAURO: A FERROVIA, O RIO E O PORTO


Elmar Carvalho

 

Neste domingo, acompanhado do Canindé Correia, seu sobrinho, fui visitar o Dr. Lauro Andrade Correia. Neste Diário já tive ocasião de escrever nota sobre a sua profícua vida de labor e dedicação aos estudos. Entregou-me um exemplar do Jornal do Advogado, no qual foi publicado o texto Um Mestre Inesquecível, em que lhe presto sincera homenagem, e o artigo Pela Grandeza e Beleza de Amarante, da autoria do insigne mestre.

 

Falou de suas causas e lutas com energia e entusiasmo, parecendo um garoto, em seus 86 anos de idade. Ao longo de algumas décadas, tenho acompanhado a vida laboriosa de Lauro Correia, e o considero um grande paladino das lutas em prol da preservação do Rio Parnaíba, da implantação do porto de Luís Correia e da construção da ferrovia Transpiauí, que se estenderia de Eliseu Martins a Luís Correia, desde os tempos em que ele presidiu a FIEPI e foi diretor do Campus Ministro Reis Velloso e do SESI-PI. Defendeu essas causas nos vários encontros e audiências públicas de que participou e em mais de meia centena de artigos e pequenos ensaios que escreveu, alguns dos quais enfeixados em plaquetas.

 

O Piauí parece estar navegando contra as correntes e os ventos da lógica econômica e administrativa. Essas duas vias – a fluvial e a ferroviária – que tem numa extremidade os cerrados piauienses, com a sua avantajada produção de soja e outros grão, e na outra, o futuro porto marítimo de nosso estado, sem dúvida barateariam o transporte desses produtos, dando-lhes maior competitividade em relação a outros centros produtores. O rio Parnaíba, como todo mundo sabe, vem se esvaindo em lenta agonia. Meu pai, em 1940, no colégio Diocesano, ouviu o acadêmico e professor de Geografia, Álvaro Ferreira, dizer que se providências não fossem tomadas esse grande rio morreria em cinquenta anos.

 

Felizmente, essa triste profecia ainda não se cumpriu inteiramente, mas as inúmeras coroas de areia, a largura imensa do Parnaíba em vários pontos e o seu pequeno calado em muitos trechos são provas de que ele caminha no rumo de um melancólico e indesejável ocaso. Dr. Lauro Correia, engenheiro e advogado, tem estudado o nosso maior rio, sob os mais diferentes aspectos, em profundidade, e apontado as soluções. Mas é quase uma voz clamando no deserto da insensibilidade, descaso e incompreensões, porquanto entra governo e sai governo e nenhuma medida séria e enérgica foi tomada até agora para impedir a inexorável degradação desse curso d' água cantado e louvado por vários poetas, mormente o grande Da Costa e Silva.

 

Entretanto, com pesar o digo, medidas sérias estão sendo adotadas, mas para apressar o seu fim: a construção de cinco barragens, que segundo Lauro Correia e outros estudiosos impedirão a navegabilidade e contribuirão de forma acentuada para a degradação do rio e do meio ambiente. Uma das barragens ameaça de forma assustadora a bela, bucólica e histórica cidade de Amarante, pois inundaria parte dela e atingiria alguns de seus vetustos e memoriais solares. Segundo Lauro Correia, com a construção das barragens, o volume d' água vai diminuir, o que trará consequências catastróficas ao ecossistema.

 

Além das óbvias, um desses efeitos danosos seria a salinização do Delta do Parnaíba, pois a força das marés passaria a exercer maior influência sobre o rio, tornando mais salobras suas águas, podendo chegar a comprometer o atual sistema de abastecimento de Parnaíba, hoje localizado em Rosápolis, perto de onde pesquei e banhei diversas vezes, em minha juventude.

 

Nada justificaria a construção dessas barragens; além dos enormes prejuízos que elas causariam ao Parnaíba, cada uma delas produziria apenas 60 megawatts, que seriam supridos, com inúmeras vantagens, por usinas eólicas, a serem construídas no litoral piauiense e no município de Paulistana.

 

Urge, pois, que essas vozes que clamam no deserto, e entre elas a de Lauro Correia, esse Quixote, não da Mancha, mas do Delta Parnaibano, sejam finalmente ouvidas e acatadas, e que as providências cabíveis e necessárias sejam adotadas, sem titubeios e delongas.

28 de julho de 2010

domingo, 21 de abril de 2024

FLAGRANTES DE BELÉM

 

Fonte: Google

FLAGRANTES DE BELÉM

 

Elmar Carvalho


              (Reconstituição minimal

               de um poema perdido.)

 

No lusco-fusco da chuva

intermitente de Belém

um guarda impaciente

envolto na capa e na solidão

aguarda um outro

guarda que não vem

para o ato de rendição.

 

Um impudente

fauno de pedra de pé mijava.

Uma imprudente

ninfa de cócoras

o cântaro emborcava:

água na água

chuva chovendo no molhado.

sexta-feira, 19 de abril de 2024

EL TOREADOR DOM PEDRO MOLINA

Fonte: Google

                        

EL TOREADOR DOM PEDRO MOLINA


Elmar Carvalho

 

Na sexta-feira, quando vínhamos para Parnaíba, demos carona a um garoto, filho da Cláudia, sobrinha da Fátima. Em viagem longa, surge sempre o ensejo de se conversar sobre os mais variados assuntos. Assim, tratou-se do caso do goleiro Bruno, da morte do filho da Cissa Guimarães e de vários outros casos da atualidade, bem como de outros fatos rumorosos mais antigos.

 

Percebi que o jovem era antenado, e esclarecia ou acrescentava algo em relação ao que estava sendo comentado. Vi que o fazia de forma respeitosa e pertinente, sem nenhuma alteração no tom de voz, de modo que se notava que não era nenhuma criança querendo exibir-se. Parava para ouvir, e quando emitia sua opinião era de forma breve, contida, porém denotando estar seguro do que dizia, mas sem afetação e arrogância, como é da índole de certas pessoas “metidas”.

 

Admirado de suas intervenções, sempre abalizadas, observei, de forma aparentemente casual, que ele parecia gostar de assistir a noticiário. Confirmou-me a suspeita, dizendo que gostava de ouvir programas noticiosos. Eu já havia percebido que ele não se referia às notícias apenas como um “papagaio decoreba”, mas como alguém que as interpretava, para emitir a sua opinião e análise, o que denotava certa maturidade.

 

Por essa razão, perguntei-lhe a idade, porquanto ele já é um tanto encorpado, como um rapazola. Respondeu-me que tinha onze anos, o que me causou mais admiração, pois, pelo conteúdo de sua conversava e pelo seu poder de argumentação, parecia ter pelo menos dezesseis anos de idade. Para tentar entender a sua inteligência, perguntei-lhe se gostava de ler. Disse que sim, sobretudo poesia, e que começara a gostar de ler a partir dos nove anos.

 

Numa época em que pouco se lê, um jovem amante da leitura sempre causa admiração, ainda mais quando consumidor de poemas. Esse gênero literário é sempre de conteúdo mais abstrato que os demais, e por essa razão tem mais afinidade com a filosofia. Por mais sugerir, que dizer diretamente, exige mais da capacidade interpretativa e criativa do leitor. Sem dúvida, uma pessoa mais experiente, mais criativa, mais culta descobrirá mais informações em um texto poético do que um ledor mediano.

 

Esse tipo de leitor, certamente, torna-se mais profundo, mais questionador e procura outras respostas e soluções, que não apenas as mais óbvias e mais rasas. Perguntei ao garoto qual era o seu passatempo predileto. Respondeu que era ler. Indaguei qual seu outro hobby; disse que era vídeo game, que, por ser um jogo eletrônico, suponho que também exija agilidade mental.

 

Dessa forma, entendi que ele gosta de exercitar o cérebro; ou seja, se dedica a fazer musculação cerebral, coisa pouco valorizada nos dias de hoje, em que impera a tirania do culto ao corpo, com pessoas musculosas, mas de pouca preocupação para com os neurônios. Indaguei-lhe o nome completo, pois o chamo de Pepeto ou Pedro Neto, embora ele não tenha esta última palavra incorporada ao seu nome, conquanto seja neto do Pedro, irmão de minha mulher, e do Pedro, pai de seu pai.

 

Disse chamar-se Pedro Molina de Freitas e Silva. O Molina foi posto por sugestão de seu avô paterno, que quis lhe dar certa elegância espanhola, em lembrança talvez de algum herói ou de algum toureiro. Dom Pedro Molina é de fato um toureador, porém toureador de palavras e ideias.

27 de julho de 2010

19 DE ABRIL - UM LEGADO CULTURAL DO BRASIL

Fonte: Google

 

19 DE ABRIL - UM LEGADO CULTURAL DO BRASIL


Valério Chaves     

Des. aposentado do TJPI

 

A cultura indígena sempre esteve presente no cotidiano dos brasileiros.

Quando comemos farinha de mandioca; quando tomamos guaraná ou mate; quando pronunciamos palavras como: tapera, arara, maracujá, jacaré ou quando fazemos bolsas trançando fios e fibras, estamos sendo influenciados pela cultura dos povos primitivos do Brasil.

Em 1943 o então presidente Getúlio Vargas assinou o decreto 5.540 instituindo o dia 19 de abril como o Dia do Índio, com base em um fato histórico acontecido no México nesta data no ano de 1940 - 1º Congresso Indigenista Interamericano, com a presença de índios da América.

A partir de então muitas manifestações culturais começaram a ser realizadas em todo o Brasil para realçar a importância do índio no cenário cultural brasileiro.

Recordo-me que em 1977, época em eu exercia a profissão de jornalista em Teresina, a Secretaria da Cultura do Piauí promoveu um concurso de poesia (sonetos) focalizando o índio como tema e premiar os autores dos três melhores sonetos.

Mesmo sem possuir dotes poéticos para tanto, resolvi participar do certame na condição de um mero "enxerido", como se diz na linguagem popular do Nordeste, com o soneto intitulado HEROI ANÕNIMO.

Para minha surpresa, fui classificado com este soneto em homenagem ao índio. Não fui o primeiro colocado, mas recebi como prêmio de consolação, além dos aplausos, uma taça cromada que guardo comigo até hoje.

 

HEROI ANÔNIMO

Quem é este bravo soldado errante

Que solene, se impõe ao brado inimigo

Escudado de arco e flecha na mão

A um tempo do mundo esquecido

Carregando na testa cabelo liso caído

Crente no Deus do Sol e do Trovão?   

 

Quem és tu Tupinambá?

Da tribo forte do Norte

Festes do branco um dia escravizado?

Amante da terra virgem

Que ainda busca no tempo a origem

De uma raça indígena do passado?

 

Quem te compreende!

Oh! viandante ordeiro,

O Sol Nascente ou o vasto horizonte?

É o teu filho-amado na terra

Onde o amor puro se encerra

Na serena imagem de tua fronte.

 

Sou o primitivo ser do Brasil

Testemunha da Cruz da descoberta

Que antes reinava em qualquer lugar,

Hoje vivendo velando humilhado

Recordando o tempo passado,

Implorando um canto pra morar!

 

(Abril/2024)